“Ela vem toda de rosa, toda molhada e (des) penteada, que maravilha, que coisa linda” e, eis uma poça. Aqui chove de não ter jeito. Ela repara bem, vê se vai dar pé, arrisca e salta do salto, foi bonito aquilo. O salto da “madama” envergou, ela se lançou majestosamente naquela poça traiçoeira. Que parecia só estar aguardando alguém passar a perna por ela pra derrubar um. Tombo teatral aquele, rapaz. Eu só-rindo num canto da boca. No outro havia muita seriedade. Tenho nesses risos imensa satisfação.
Na porta do meu trabalho, vejo um picadeiro. Chega palhaço de tudo que é jeito, fazem as mais variadas acrobacias, umas mais elaboradas, outras nem tanto. A loira é uma palhaça ousada. Eles chegam encolhidos, segurando guardas chuvas, passando por entre as poças, que são muitas e grandes. Além do infame objeto, carregam livros, bolsas e cabelos pranchados. São eles os mesmos cariocas descolados que andam por aí nos dias ensolarados, com peito cabeludo a mostra, cabelos ao vento, havaianas nos pés, altos decotes, cervejas nos bares, calores lascivos e evém uma chuva dessas de não ter direção, e os deixam desbaratados, sem saber pra onde ir... É difícil acreditar, mas são eles mesmos.
Toda uma comoção. Quem chega reclama, quem vai também. Segura guarda chuva, abre a bolsa, pega a sacolinha pra guardar o famigerado, cai chave, cai gloss, cai coisa que ninguém precisava saber. E fica tudo limpo, tudo às claras. A chuva que tudo penetra, e lava, deve de vir pra levar toda hipocrisia que nossos dias ensolarados encobrem, com sua luz branca, tão clarividente que cega. Quando ela chega por aqui sobe um cheiro fétido, pútrido de revolver todas as vísceras. E nós sabemos bem da onde vem. De nós, oras.
Temos de reconhecer que não sabemos lidar com dias de chuva. A começar por acharmos que é possível estar na chuva e não se molhar. Aí usamos o maldito guarda-chuva como proteção. Aquilo é uma arma branca. Os Abrimos e nós lançamos sem perceber, num ringue. Uma luta por um espaço na calçada, além de lutar por espaço que nos cabe, há o do guarda chuva. Semente de todo mal dos dias chuvosos. Bate daqui, gruda dali, puxa fio, fura olho. E fica difícil sobreviver nessas terras do Rio de janeiro de São Sebastião.
Daqui vejo uma gorda, faz altos malabares essa, tentando ajeitar a roupa que já lhe estava toda torta, secar os pés que estavam lameados, a sandália coitada, pobre gorda. Ela se contorcia e segurava a bolsa, umas sacolas e segura seu guarda chuva, minha filha. Não esqueça dele não. Eu olhava e dizia a ela só com o olhar, tem jeito não.
No meio desse clima circense eu achei que pudesse estar exagerando e que a coisa podia não ser tão assim, mas um sujeitinho que vem chegando sacode os pés, o corpo todo na verdade, feito cachorro querendo se secar, e diz: - Chuvinha de viado, essa aí cara!
Disse isso com muito ódio no coração.
Cariocas, tudo bando de palhaços quando debaixo de chuva. Essa gente jovem, que de repente não sabe o que fazer de si quando passa a nuvem negra.