quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Passa nuvem negra

“Ela vem toda de rosa, toda molhada e (des) penteada, que maravilha, que coisa linda” e, eis uma poça. Aqui chove de não ter jeito. Ela repara bem, vê se vai dar pé, arrisca e salta do salto, foi bonito aquilo. O salto da “madama” envergou, ela se lançou majestosamente naquela poça traiçoeira. Que parecia só estar aguardando alguém passar a perna por ela pra derrubar um. Tombo teatral aquele, rapaz. Eu só-rindo num canto da boca. No outro havia muita seriedade. Tenho nesses risos imensa satisfação.
Na porta do meu trabalho, vejo um picadeiro. Chega palhaço de tudo que é jeito, fazem as mais variadas acrobacias, umas mais elaboradas, outras nem tanto. A loira é uma palhaça ousada. Eles chegam encolhidos, segurando guardas chuvas, passando por entre as poças, que são muitas e grandes. Além do infame objeto, carregam livros, bolsas e cabelos pranchados. São eles os mesmos cariocas descolados que andam por aí nos dias ensolarados, com peito cabeludo a mostra, cabelos ao vento, havaianas nos pés, altos decotes, cervejas nos bares, calores lascivos e evém uma chuva dessas de não ter direção, e os deixam desbaratados, sem saber pra onde ir... É difícil acreditar, mas são eles mesmos.
Toda uma comoção. Quem chega reclama, quem vai também. Segura guarda chuva, abre a bolsa, pega a sacolinha pra guardar o famigerado, cai chave, cai gloss, cai coisa que ninguém precisava saber. E fica tudo limpo, tudo às claras. A chuva que tudo penetra, e lava, deve de vir pra levar toda hipocrisia que nossos dias ensolarados encobrem, com sua luz branca, tão clarividente que cega. Quando ela chega por aqui sobe um cheiro fétido, pútrido de revolver todas as vísceras. E nós sabemos bem da onde vem. De nós, oras.
Temos de reconhecer que não sabemos lidar com dias de chuva. A começar por acharmos que é possível estar na chuva e não se molhar. Aí usamos o maldito guarda-chuva como proteção. Aquilo é uma arma branca. Os Abrimos e nós lançamos sem perceber, num ringue. Uma luta por um espaço na calçada, além de lutar por espaço que nos cabe, há o do guarda chuva. Semente de todo mal dos dias chuvosos. Bate daqui, gruda dali, puxa fio, fura olho. E fica difícil sobreviver nessas terras do Rio de janeiro de São Sebastião.
Daqui vejo uma gorda, faz altos malabares essa, tentando ajeitar a roupa que já lhe estava toda torta, secar os pés que estavam lameados, a sandália coitada, pobre gorda. Ela se contorcia e segurava a bolsa, umas sacolas e segura seu guarda chuva, minha filha. Não esqueça dele não. Eu olhava e dizia a ela só com o olhar, tem jeito não.
No meio desse clima circense eu achei que pudesse estar exagerando e que a coisa podia não ser tão assim, mas um sujeitinho que vem chegando sacode os pés, o corpo todo na verdade, feito cachorro querendo se secar, e diz: - Chuvinha de viado, essa aí cara!
Disse isso com muito ódio no coração.
Cariocas, tudo bando de palhaços quando debaixo de chuva. Essa gente jovem, que de repente não sabe o que fazer de si quando passa a nuvem negra.

7 comentários:

  1. vc tem uma percepção hein...e tudo parece fluir tão fácil...vc não faz apneas uma descrição do ambiente, mas psicológica bem minuciosa.
    te adoro Mari..vc é fantástica.
    bjos ,
    Constant.

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  2. Ah constantino por aqui de novo!É bom saber que o se avexe não é frequentado por gente como vc, uma finécia de pessoa.Ahahahah...

    Beijo grande, apareça sempre
    Mari

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  3. pow coitada da gorda cara..
    eu ODEIO andar de guarda-xuva..até pq tbm eu nao sei rsrs me enrolo toda,ou seja sou um tipo do seu texto-FATO!

    bjo mari,saudade♥

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  4. É Mari..a chuva lava, lava a alma de quem sabe nela se mostrar! Eu e vc somos criaturas empatadas, pois seus textos são deliciosos de ler e por muitas me revelam!

    As pausas são necessárias tb, sempre é tempo de reciclar a alma ou a razão dependendo do ponto de vista!

    Os dias de chuva me remetem ao cheiro das coisas que me são gratas e sobretudo da observação do outro, que muitas vezes tb sou eu.

    Muito bom seus textos...talvez algo haver com sua alma de artista ou com seu cérebro de filósofa...pra minha alegria é um somatório das duas!

    Saudades sempre. Bjão.

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  5. Deby não precisa dizer pra mim que vc é assim pq eu já vi isso. Já passamos poucas e boas nesses dias chuvosos, lembra?

    Foi bom te ter com a gente essa semana, muita coisa mudou, isso é fato, mas quando a gente se encontra, somos todas colegiais.

    Beijos,Mari.

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  6. É bom te ter por aqui de novo, ter nossas conversas de volta é um baita resgate. Ler seus textos pra mim é uma conversa e espero q ler os meus tbm seja pra vc. Tenho acompanhado seu Jardim e está uma delícia, altas brisas(rs)... um beijo grande, Mari.

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