“No momento mais desordenado da nossa juventude nos metíamos apressadamente, sempre de madrugada, sempre sem ter dormido, sempre sem um centavo nos bolsos, em um vagão de terceira classe... Pouco mais ou pouco menos de vinte anos, providos de uma carga valiosa de loucura inconseqüente que queria transbordar, estender-se, estalar”.
"Confesso que vivi"
Plabo Neruda
Fui embora pra minha Pasárgada, fui encontrar amigos, contextos, silêncios, cachaça, porre curtido, toda inconseqüência, a ingenuidade, o sadismo, a ironia. Fui varar noites, ruas, horas adentro. Começar conversas que nunca tem fim. E lá, só lá era possível, não se fazer nada. Não havia relógios em nossa Pasárgada. E a nenhum de nós, o tempo interessava. Nunca faltava café, cigarros, pastinha de alcaparra, cerveja, cachaça, na pior das hipóteses o Oitenta e oito nos olhava atravessado e carcava na gente, mas lá nunca faltou balde e cama pra cair, quando o fígado e as pernas, já não podiam mais. Os deveres, quais eram os deveres? Nem consigo me lembrar. Parece que não havia, mas havia, é só que, não consigo me lembrar. Eis o que eu carrego dela ainda, a facilidade de não cumprir meu dever sem vergonha e sem culpa. Por comodismo descarado.
Uma era casada, outro casado com uma, uma era namorada consciente, a outra era inconsciente, e eu, uma outra. Mas isso nada tinha que ver com outros, nós éramos a medida mais perfeita. Qualquer mendigo dito profeta podia nos casar, com qualquer dinheiro podíamos beber. Com o tempo que fosse podíamos ir a praia, éramos loucos, se o ar estava bom na praia, queríamos embrulhar e trazer pra casa. E as pessoas olhando atônitas, recriminado, são tudo bando de bestas! Até os nossos trabalhos eram pseudotrabalhos. Esse papo de que o trabalho enobrece o homem que nada, bom mesmo era levar essa vida de bacana. Os trampos eram mais desculpa pra essa santa instituição que é a família, nos deixar em paz.
Nossas gargalhadas ecoam, nossas crianças...Correm pelo quintal, sobem nas árvores, se machucavam e no mesmo instante "milhoram". Era Miguel, Marquinho era Mateus, os meninos eram tão maliciosos, mas uma malícia tão pueril. As nossas crianças, não sei que vão ter na cabeça daqui a algum tempo? Afinal o que tínhamos? Insanidade, ânsias, angústias, alegrias, desenganos, tesão e leveza, tanta, tanta que não se susteve.
Lá pelas tantas percebi, talvez tarde que... A maré das circunstâncias mudou. Minha Pasárgada está suspensa sobre o tempo e o espaço, a ela só vou, indo a mim.
E encontrei num canto qualquer dentro de mim. Como que para ninguém ver, feito menina, escondidinha, chorando, morrendo de rir, "chorrindo" sozinha.
Quero voltar pra Pasárgada
Mas Pasárgada não há mais, sussurrou o poeta.
A meus companheiros de Pasárgada,
o meu mais forte abraço.