Pra começar vou dizendo que sofria de um mal terrível, gostava de uma esbórnia que só ele. Quando ia pra zona, levava meu pai ainda com quatro aninhos, e deixava do lado de fora cuidando dos cavalos. Dizia ele que era uma venda “muito tumultuada”. Meu pai, pobre menino, que nem sabia o que era aquele lugar. Mas era assim que era no interior de Caratinga, lá em Minas Gerais. Meu vô só aparecia umas poucas vezes por ano, tocado, pra fazer filho e descer cacete na vó. Mesmo assim, fez oito cabeças. E quando meu pai tinha pelos seus nove anos, meu vô, aparecido que era, comprou um galo de briga que dominava no galinheiro da fazenda, meu pai moleque ainda, deu de arranjar um outro galo de briga.(Longe de eu apoiar essa doideira de briga de galo, tô só contando o causo, Tim-tim por Tim-tim, que fique bem claro). Meu vô nessas noites em que voltava aperreado, diz meu pai, que só viu a sombra do machado passando pela lamparina, e minha vó voando no pescoço do dele. O coroa ia passar o machado no meu pai, por conta de um galo de briga, chupa essa manga. Depois disso, minha avó mandou ele embora e disse pra nunca mais aparecer, e foi o que ele fez, não precisava nem pedir, era só questão de tempo. Mas ela pediu, ele nunca mais deu as caras e a vó, vestiu a camisa de “mulher da vida”. Pensar que mulher largada de marido era tudo da vida.
Desde aquela época, meu vô só foi se aquietar quando aos setenta e oito anos parou de viajar e comprou uma chácara em Vai e volta, lá em Minas. Lugar melhor não pudia ter pra ele se aquietar, passava os dias tocando a viola com um gosto danado. Até que sofreu de um revés desses que a vida cisma de dar em nós. Um derrame. Depois de tantos anos, meu pai foi buscar ele e a viola.Um homem que conhecia esse mundão todo, restrito á uma cama, por cinco anos. Foi uma morte lenta e longa a do meu vô.Até que num domingo, ele chamou meu pai num canto e disse que ia morrer. Mas meu pai nem se avexou, ele dizia isso todo dia, quando começou a agonizar, meu pai disse pra ele se calar. Ele insistiu, fez força e arfou:
- Você é dez!
Assim mesmo, nem uma palavra a mais, nem a menos. Do mesmo jeito que dizem que Deus é dez e o Romário é onze. Foram essas as últimas palavras do vô àquele menino antigo, que um dia ele ia passar o machado por um galo.
*Se você cabra leitor, estiver reconhecendo este texto, é, ele já esteve aqui. Mas foi “remudeladuzinho” a pedidos de um do cês.