domingo, 24 de fevereiro de 2008

Vô Zico

Pra começar vou dizendo que sofria de um mal terrível, gostava de uma esbórnia que só ele. Quando ia pra zona, levava meu pai ainda com quatro aninhos, e deixava do lado de fora cuidando dos cavalos. Dizia ele que era uma venda “muito tumultuada”. Meu pai, pobre menino, que nem sabia o que era aquele lugar. Mas era assim que era no interior de Caratinga, lá em Minas Gerais. Meu vô só aparecia umas poucas vezes por ano, tocado, pra fazer filho e descer cacete na vó. Mesmo assim, fez oito cabeças. E quando meu pai tinha pelos seus nove anos, meu vô, aparecido que era, comprou um galo de briga que dominava no galinheiro da fazenda, meu pai moleque ainda, deu de arranjar um outro galo de briga.(Longe de eu apoiar essa doideira de briga de galo, tô só contando o causo, Tim-tim por Tim-tim, que fique bem claro). Meu vô nessas noites em que voltava aperreado, diz meu pai, que só viu a sombra do machado passando pela lamparina, e minha vó voando no pescoço do dele. O coroa ia passar o machado no meu pai, por conta de um galo de briga, chupa essa manga. Depois disso, minha avó mandou ele embora e disse pra nunca mais aparecer, e foi o que ele fez, não precisava nem pedir, era só questão de tempo. Mas ela pediu, ele nunca mais deu as caras e a vó, vestiu a camisa de “mulher da vida”. Pensar que mulher largada de marido era tudo da vida.

Desde aquela época, meu vô só foi se aquietar quando aos setenta e oito anos parou de viajar e comprou uma chácara em Vai e volta, lá em Minas. Lugar melhor não pudia ter pra ele se aquietar, passava os dias tocando a viola com um gosto danado. Até que sofreu de um revés desses que a vida cisma de dar em nós. Um derrame. Depois de tantos anos, meu pai foi buscar ele e a viola.Um homem que conhecia esse mundão todo, restrito á uma cama, por cinco anos. Foi uma morte lenta e longa a do meu vô.Até que num domingo, ele chamou meu pai num canto e disse que ia morrer. Mas meu pai nem se avexou, ele dizia isso todo dia, quando começou a agonizar, meu pai disse pra ele se calar. Ele insistiu, fez força e arfou:

- Você é dez!

Assim mesmo, nem uma palavra a mais, nem a menos. Do mesmo jeito que dizem que Deus é dez e o Romário é onze. Foram essas as últimas palavras do vô àquele menino antigo, que um dia ele ia passar o machado por um galo.


*Se você cabra leitor, estiver reconhecendo este texto, é, ele já esteve aqui. Mas foi “remudeladuzinho” a pedidos de um do cês.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Carta ao falecido


Se eu pudesse diria a você que morra de uma vez por todas. Não agüentamos mais suas ressurreições. Mas não faço isso por dois motivos. Primeiro, que não faz meu estilo ligar pra ex de amiga minha pra dizer nada. E segundo, que você é um ser enigmático demais pra mim. Então, tem de viver. Mas me conta, quantas vidas têm? Já ouvi a frase, pra mim ele morreu, várias vezes. E quando a viúva já está a secar as lágrimas, volta você só pra confirmar a condição dela de eterna sofredora. Tadinha. Quando a conheci ela ainda te namorava, curtia horrores, não perdia uma festa por sua causa. E eu sei dos seus ciúmes doentios. Mas nada disso era páreo pra ela. Tu tinhas uma cabritinha de disposição.

Até o dia em que ela se meteu mato adentro, num acampamento, e se encantou por um cabra. Tanto, tanto, que deu de largar você, foi aí sua primeira morte. Era pra ser o fim, mas não foi. Falecido, a odisséia começava. Uma semana depois de terminar contigo ela viajou e passou um bom tempo fora, o tal cara ela nunca mais quis ver. Ficou sozinha, não queria ninguém, logo ela que sempre disse que sozinha e bem, não fica.

Tua cabritinha arretada se arrependeu logo que terminou, mas aí veio a bomba que tornou tudo irreversível. Você ia ser papai. E como se não bastasse, ia ser marido também. Ela que já não ouve muito bem de um ouvido achou por bem tapar o outro, pra não ouvir mais falar de sua vida. E teve jeito? Teve não, bem. Sua família era o inferno astral dela, sua vózinha então, não é de Deus aquela criatura, não pode ser.Graças a essa família maligna que você tem, ela nunca pode te esquecer. Foram três anos, e a bichinha só e indisponível.

Homem nunca faltou, graças a Deus. Mas ela não se abria pra ninguém que não fosse você.

Ano retrasado arresolveu darás caras, não é, seu sem vergonha? Casado com aquela barraqueira, que te lanhava a fuça quando cês brigavam, que todo mundo sabe. E com um filhinho que contraria todas as leis da natureza, que é o carisma em forma de gente.

Voltou, ligou, chamou pra sair, e no que deu, no que sempre dá, no dar.Tava desgostoso da vida querendo dar um fim em tudo.E fez despertar nela a idéia de que as coisas podiam melhorar pra vocês.Mas pena que ela esqueceu de um detalhezinho a toa, mas que teria feito toda a diferença lembrar, és um fraaaaco.E dessa vez não foi diferente.Foi fraco e sumiu.

Ela se entristeceu tudo que já tinha desentristecido, e um pouquinho mais.E força tigre! Seguido de um soquinho nas costas pra levantar e seguir, era o que eu dizia a ela, pra fazê-la rir. O tempo passou e no natal de 2006 foi o triunfo, ela arrumou um namorado super bacana, gosto muito dele, e melhor, ela muito mais, pra não levantar suspeitas.Achamos até que era um namorado imaginário por que ela por um tempo não apresentava o sujeito, só falava, então... Poucos dias antes do natal passado, nós marcamos uns comes e bebes na casa de uma amiga nossa. Marcamos as nove, ela chegou uma da manhã.Com um sorriso enrustido, o corpo quente, hummmm... Já sabíamos o que tinha acontecido. Mas ela despistou tanto, que não insistimos. Disse foi jantar com um amigo muito antigo dela, que vai morar em BH e queria conversar e se despedir.Ah tá, tudo explicado então. Natal estávamos juntas, mas separadas, cada uma de nós com suas razões. Até que veio a confissão, que você era tal amigo, ela naquele dilema. “Como assim vai embora? Quer dizer que mesmo passando três vezes por semana na rua dele, eu não vou ter chance de vê-lo?”.

A dita cuja da sua mulher, levou a criança pra BH com ela. Eu até entendo que você tenha ficado desesperado, mas resolvesse ir ou ficar, pra que chamar a menina? Tá certo que ela te ama independente dos títulos que teve de relevar. Foi namorada, amiga, ex-namorada, a outra, ex-namorada de novo, confidente, e por aí vai. Mas juntando tudo, dá alguém que caiu na sua arapuca. Eu botava a mão no fogo e acreditava pra valer, que dessa vez ela seria mais comedida. Ela estava tão segura, tão consciente, mas foi tudo por água abaixo quando ontem liguei e a coroa dela me disse que ela tinha se metido pras praias de Maricá contigo, deixando o namorado oficial de pista por uma semana. Faz cinco anos, e nem parece.Ela hoje é mais apaixonada que quando te namorava.Foi um trato e tanto no ego dela.Eta pudê de pica çô!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Alembração 2

-Vó, e minha tia, deu um tempo na bebida?

-Humm, e ela pára? Pára nada.Tô lembrando aqui, do dia que já de madrugada saiu do butiquinho (assim que ela fala, minha gente, contribui pra veracidade do causo) e foi pra casa daquele jeito, chumbada de cerveja.Viu uma crente que mora na rua dela.E partiu com a mulé.

-Ué vó, mas a crente é amiga dela por acaso?

-Tua tia se metendo com gente direita? Cê besta, só companhia pra ir pra casa mermo.E a mulé muito revoltada perguntou a ela tava que tava fazendo àquela hora na rua.Aí não prestou, por que na mesma hora tua tia perguntou o que ela fazia na rua sendo uma mulé de Deus, casada, com filho.

-Gente que baixaria, que ridículo. Mas o que ela tinha de ir atrás da crente?Nada a ver.

-Pois é, mas tava chumbada de cerveja...Sangue quente, né?Já viu, sei minha filha que arrasou a mulher.Foram parar no chão.No dia seguinte a crente deu parte na delegacia.E o camburão bateu na porta dela.Acabou na delegacia.E lá o delegado disse que ela poderia prestar serviços à comunidade ou dar uma cesta básica.(Uma vergonha isso, se ela fosse em cana duvido que faria de novo, mas se não viu a cor das grades, vai ser difícil tomar tenência).

-E ela o que preferiu?

-Prestar serviços à comunidade, segundo ela, foi tudo armação pra mulher ganhar uma cesta básica.

-Mas prestou mesmo?Ou fez qualquer outro rolo aí?

-Não sei, vou saber quando voltar.

-Ué, isso aconteceu quando?

-Semana passada, então só quando voltar que eu vou saber se aconteceu tudo nos conformes.

-Vai tomar vergonha na cara é nunca.

-Vai não, nessa idade não muda mais não.Vê seu avô vai ser muquirana toda vida. Por isso que eu larguei mermo.

Não disse pra vocês que ela é assim? Minha vó, não julga, não se mete, só conta os causos, cada um de deixar a gente broxada só de ouvir. E sem saber se aconteceu há uma semana ou há setenta anos atrás.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Mas é carnaval...

É carnaval...Pois é.Mas, meu coração é só melancolia. E não tem por que (pelo menos racionalmente). Acho mesmo que é essa maldita TPM que me deixa chorosa, sensível, enfim, uma mulherzinha. Aflora essas coisas que mulher tem de vez em quando, algumas, de vez em sempre.O dia amanheceu nebuloso, e eu irritadiça. É complicado quando nosso estado de espírito não coincide com o geral, mas fazer o que? Acontece. Mas tratei de mascarar a tristeza, pus uns sambas pra tocar, foi Paulinho da viola, Jovelina, Candeia e a sua Maria Madalena da Portela, "mãe de cinco filhos, mas metida a donzela, que megera", que me fizeram sorrir outra vez. Esse ano eu ia botar meu pé na avenida, tava tudo certo.Ia desfilar no sambódromo.Mas essas coisas mudam. É próprio do universo do samba mesmo, quem não viveu um grande amor, não pode compreender o samba não. É o que dizem. O sofrimento, a peleja faz parte, tô engajada então. E por essa razão entornei todas e mais pouco hoje. E arresolvi que amanhã meus pés vão saciar a vontade de sambar. Vou atrás da alegria. Sozinha ou acompanhada, esse carnaval, essa brincadeira, eu não vou perder não. Até por que carnaval é pra isso mesmo. Esquecer as aflições, esquecer dessa gente medíocre, fazer dessa vida brinquedo de novo, como se fez na infância. É isso que eu vou ser amanhã, criança.