Minha patroa é uma sequelada no sentido mais literal da palavra, seqüela braba de pó. Ela tem três tiques bãos demais da conta pra matar qualquer um de rir, menos eu, que não posso rir. Levanta as sobrancelhas fatalíssima, joga os cabelos e levanta as calças. Faz tudo isso em seqüência, e quanto mais nervosa, mais rápida a seqüência. A mulher é uma neurótica de marca maior. Quando tem reunião, ela é o próprio “Roberto Justus”.
– Cala boca infeliz!
Ela virou para mim o símbolo do terror e do humor. Uma mulherzinha muito afetada, tadinha. E que me fez repensar toda a minha vida. Ela é tudo que eu nunca quero ser. Leva algumas palavras muito a sério, sabe? Tem uma então que não sai da boca dela, a tal da res-pon-sa-bi-li-da-de. Uma palavra carregada pra ficar se dizendo toda hora. A pobrezinha tem cara de que nunca conheceu a se-re-ni-da-de. Que acho tão sonora quanto significativa. É a serena-idade.
Dias desses levei um esporro dela, como levo toda semana, e a “Justus” se pôs a falar primeiro com meu amigo Jorge Palmeira, que é quase um Marcos Palmeira, diga-se de passagem, disse a ele que como pode um mês inteiro de atrasos absurdos, logo ele que sempre foi tão preocupado com o trabalho, com as suas responsabilidades e a qualidade do que faz. O pobre ficou arrasado, e eu olhando pra ela com um sorriso sínico esperando a minha vez. Ao terminar de falar com Jorge, se calou. Não ousou dizer o mesmo pra mim, e quando me perguntou quais eram os meus motivos para me atrasar tanto, eu disse que foi uma fatalidade, ela me mostrou todos os atrasos e eu confirmei com cara mais lavada.
– Houveram várias fatalidades esse mês, você nem imagina.
E fui me embora, pois aquela mulher me alimenta as idéias mais perversas.
Mas a gota d água foi uma tal despedida que rolou no “bola de fogo”, uma orgia no meio da rua, as bichas mais loucas dando shows. E eu assistindo o momento em que tudo deixou de fazer sentido. Aquele momento em que se constata que já é hora de partir. Levantar vôo. Saboreei com fineza aquela noite, e sorria sem parar por saber que não os veria mais. A despedida era só minha e de mais ninguém.
Decidi que não iria trabalhar naquele lugar NUNCA MAIS. E é assim que tem sido. Faz uma semana e meia que não entro naquele recinto e que não carrego no rosto os ares de labuta que o trabalho deixa. A vida tem sido, puro alto astral, gente bacana, altos almoços, jantares, conversa fora. Dias de sorvete, pracinha, leitura, é tão bom ter tempo. Estou tão deslumbrada, já tinha esquecido o que era poder escrever para o blog. Ter tempo, na atual conjuntura é um luxo. Um trabalho que toma todo o meu tempo, não me vale de nada.
Alias, nessas leituras li uma coisinha que me fez muito sentido, um sujeitinho de nome Henry Miller disse em um de seus livros, que quando ele foi oferecer livros a um cliente em potencial, o homem perguntou a ele por que ele fazia isso. E ele sem hesitar disse que para sobreviver. O homem em seguida disse que isso não era argumento. Que para sobreviver você não precisa fazer isso, há varias outras formas como pedir ou trapacear. São opções. O que não vale é o sacrifício, deixe ele pra os cristãos. Digam aos outros que precisam trabalhar para sobreviver, mas não acreditem de verdade nisso. É lorota. Você não precisa. É claro que se há de sofrer algumas represálias da sociedade. Mas é bobagem. Não que eu esteja pensando em me tornar pedinte ou uma gaiata, mas é preciso ver que há outras opções e é uma questão de estar disposto a elas ou não.
Sei que desse momento, herdei uma experiência única que não se pode ter medo de perder nada. Que tudo isso é mero discurso. Conquistar “o pão de cada dia” com suor do rosto é coisa muito chata, bacana mesmo é conquistar “o pão de cada dia”, sem sacrificar sua felicidade para isso.