segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Adeus vida severina

Minha gente vou contar a vocês, que há seis meses que eu tô trabalhando e pode até não ser nada de muito sofrido tenho de reconhecer, mas é trabalho. Isso é o que me dói. Vocação mesmo eu tenho pra vagabundo. Acordar com o sol na cara, dormir ao amanhecer, tomar café sem ter a menor idéia do que será feito do resto do dia. Eita vidão, oxa! Esse papinho brega toda vida de que o trabalho enobrece o homem é balela. Uma mentirinha pesada que infelizmente colou. O que enobrece um homem é não precisar trabalhar, oras. Ah, como eu seria feliz, toda uma vida de prazer e só prazer e nada além de prazer.

Minha patroa é uma sequelada no sentido mais literal da palavra, seqüela braba de pó. Ela tem três tiques bãos demais da conta pra matar qualquer um de rir, menos eu, que não posso rir. Levanta as sobrancelhas fatalíssima, joga os cabelos e levanta as calças. Faz tudo isso em seqüência, e quanto mais nervosa, mais rápida a seqüência. A mulher é uma neurótica de marca maior. Quando tem reunião, ela é o próprio “Roberto Justus”.

– Cala boca infeliz!



– Desculpa é para incompetentes!

Ela virou para mim o símbolo do terror e do humor. Uma mulherzinha muito afetada, tadinha. E que me fez repensar toda a minha vida. Ela é tudo que eu nunca quero ser. Leva algumas palavras muito a sério, sabe? Tem uma então que não sai da boca dela, a tal da res-pon-sa-bi-li-da-de. Uma palavra carregada pra ficar se dizendo toda hora. A pobrezinha tem cara de que nunca conheceu a se-re-ni-da-de. Que acho tão sonora quanto significativa. É a serena-idade.

Dias desses levei um esporro dela, como levo toda semana, e a “Justus” se pôs a falar primeiro com meu amigo Jorge Palmeira, que é quase um Marcos Palmeira, diga-se de passagem, disse a ele que como pode um mês inteiro de atrasos absurdos, logo ele que sempre foi tão preocupado com o trabalho, com as suas responsabilidades e a qualidade do que faz. O pobre ficou arrasado, e eu olhando pra ela com um sorriso sínico esperando a minha vez. Ao terminar de falar com Jorge, se calou. Não ousou dizer o mesmo pra mim, e quando me perguntou quais eram os meus motivos para me atrasar tanto, eu disse que foi uma fatalidade, ela me mostrou todos os atrasos e eu confirmei com cara mais lavada.

– Houveram várias fatalidades esse mês, você nem imagina.

E fui me embora, pois aquela mulher me alimenta as idéias mais perversas.

Mas a gota d água foi uma tal despedida que rolou no “bola de fogo”, uma orgia no meio da rua, as bichas mais loucas dando shows. E eu assistindo o momento em que tudo deixou de fazer sentido. Aquele momento em que se constata que já é hora de partir. Levantar vôo. Saboreei com fineza aquela noite, e sorria sem parar por saber que não os veria mais. A despedida era só minha e de mais ninguém.

Decidi que não iria trabalhar naquele lugar NUNCA MAIS. E é assim que tem sido. Faz uma semana e meia que não entro naquele recinto e que não carrego no rosto os ares de labuta que o trabalho deixa. A vida tem sido, puro alto astral, gente bacana, altos almoços, jantares, conversa fora. Dias de sorvete, pracinha, leitura, é tão bom ter tempo. Estou tão deslumbrada, já tinha esquecido o que era poder escrever para o blog. Ter tempo, na atual conjuntura é um luxo. Um trabalho que toma todo o meu tempo, não me vale de nada.

Alias, nessas leituras li uma coisinha que me fez muito sentido, um sujeitinho de nome Henry Miller disse em um de seus livros, que quando ele foi oferecer livros a um cliente em potencial, o homem perguntou a ele por que ele fazia isso. E ele sem hesitar disse que para sobreviver. O homem em seguida disse que isso não era argumento. Que para sobreviver você não precisa fazer isso, há varias outras formas como pedir ou trapacear. São opções. O que não vale é o sacrifício, deixe ele pra os cristãos. Digam aos outros que precisam trabalhar para sobreviver, mas não acreditem de verdade nisso. É lorota. Você não precisa. É claro que se há de sofrer algumas represálias da sociedade. Mas é bobagem. Não que eu esteja pensando em me tornar pedinte ou uma gaiata, mas é preciso ver que há outras opções e é uma questão de estar disposto a elas ou não.

Sei que desse momento, herdei uma experiência única que não se pode ter medo de perder nada. Que tudo isso é mero discurso. Conquistar “o pão de cada dia” com suor do rosto é coisa muito chata, bacana mesmo é conquistar “o pão de cada dia”, sem sacrificar sua felicidade para isso.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Passa nuvem negra

“Ela vem toda de rosa, toda molhada e (des) penteada, que maravilha, que coisa linda” e, eis uma poça. Aqui chove de não ter jeito. Ela repara bem, vê se vai dar pé, arrisca e salta do salto, foi bonito aquilo. O salto da “madama” envergou, ela se lançou majestosamente naquela poça traiçoeira. Que parecia só estar aguardando alguém passar a perna por ela pra derrubar um. Tombo teatral aquele, rapaz. Eu só-rindo num canto da boca. No outro havia muita seriedade. Tenho nesses risos imensa satisfação.
Na porta do meu trabalho, vejo um picadeiro. Chega palhaço de tudo que é jeito, fazem as mais variadas acrobacias, umas mais elaboradas, outras nem tanto. A loira é uma palhaça ousada. Eles chegam encolhidos, segurando guardas chuvas, passando por entre as poças, que são muitas e grandes. Além do infame objeto, carregam livros, bolsas e cabelos pranchados. São eles os mesmos cariocas descolados que andam por aí nos dias ensolarados, com peito cabeludo a mostra, cabelos ao vento, havaianas nos pés, altos decotes, cervejas nos bares, calores lascivos e evém uma chuva dessas de não ter direção, e os deixam desbaratados, sem saber pra onde ir... É difícil acreditar, mas são eles mesmos.
Toda uma comoção. Quem chega reclama, quem vai também. Segura guarda chuva, abre a bolsa, pega a sacolinha pra guardar o famigerado, cai chave, cai gloss, cai coisa que ninguém precisava saber. E fica tudo limpo, tudo às claras. A chuva que tudo penetra, e lava, deve de vir pra levar toda hipocrisia que nossos dias ensolarados encobrem, com sua luz branca, tão clarividente que cega. Quando ela chega por aqui sobe um cheiro fétido, pútrido de revolver todas as vísceras. E nós sabemos bem da onde vem. De nós, oras.
Temos de reconhecer que não sabemos lidar com dias de chuva. A começar por acharmos que é possível estar na chuva e não se molhar. Aí usamos o maldito guarda-chuva como proteção. Aquilo é uma arma branca. Os Abrimos e nós lançamos sem perceber, num ringue. Uma luta por um espaço na calçada, além de lutar por espaço que nos cabe, há o do guarda chuva. Semente de todo mal dos dias chuvosos. Bate daqui, gruda dali, puxa fio, fura olho. E fica difícil sobreviver nessas terras do Rio de janeiro de São Sebastião.
Daqui vejo uma gorda, faz altos malabares essa, tentando ajeitar a roupa que já lhe estava toda torta, secar os pés que estavam lameados, a sandália coitada, pobre gorda. Ela se contorcia e segurava a bolsa, umas sacolas e segura seu guarda chuva, minha filha. Não esqueça dele não. Eu olhava e dizia a ela só com o olhar, tem jeito não.
No meio desse clima circense eu achei que pudesse estar exagerando e que a coisa podia não ser tão assim, mas um sujeitinho que vem chegando sacode os pés, o corpo todo na verdade, feito cachorro querendo se secar, e diz: - Chuvinha de viado, essa aí cara!
Disse isso com muito ódio no coração.
Cariocas, tudo bando de palhaços quando debaixo de chuva. Essa gente jovem, que de repente não sabe o que fazer de si quando passa a nuvem negra.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Lotação I

Três horas da tarde. Eh Rio de janeiro bonito da gota. Mas visto daqui de onde vejo todo dia, o Rio é bonito, mas péra lá mermão, tem gente feia pra cacete. É central do Brasil. Acabo de ser espezinhada pelo mendigo no Campo do Santana. Mendigo é tudo revoltado, não aceita não como resposta. E porra, só tenho um cigarro, vou dar? Vou nada. A vida é dura meu filho, e você já devia saber disso. Mal sabia o que me esperava.

Chegamos na central, eu mais Camila, e essa não perde um trem, enquanto eu perco todos, ela nenhum. Fala feito uma gralha descompassada. Tenho por ela um carinho imenso, mas sofre de um mal terrível a coitadinha, chatisse. E quanta chateação ela sabe causar e bem sabe disso. Mas depois de lembrar o mendigo da condição dele, ninguém poderia deixar de me lembrar qual era a minha. Enfim anunciou a plataforma do bendito Santa Cruz. Num mulão só, veio aquele povo feio, manco, com as perebas de fora, e tudo na mesma direção.

E Camila, aquela mesmo que não perde um trem, grita:

- Corre!

Muito contrariada admito que corri, corri horrores, sebo nas canelas, pernas pra que te quero. Camila só gritava lá da frente. No meio das perebas, tava ela. A bichinha corre pra diacho. De repente caiu meu casaco. E eu besta, voltei pra pegar, ficou l’atrás.

Alguém me lembra da minha condição. Um homem de cecê que mais fedorento num pode existir, passa na minha frente. Ele, e o cecê que serviu mais pra esfregar a realidade nas minhas fuças. Nua, crua e fedida. O danado se vira ainda correndo e me diz em alto e bom som:


- Ah se ferrou! Vai ter que voltaaaar!


Parei de correr arrasada, como quem perde lugar no colégio, pra piolhenta da turma.

Mas Camila se adiantou é claro, aquela ali, não passa aperto, e acenava pra mim na porta do último vagão.

- Mari, guardei lugar, vem vem!!!

Lá pelas tantas, a vida me sorriu, e eu a ela.




quinta-feira, 29 de maio de 2008

A vida é dura

- Mm’s na minha mão é dois real! É isso ai madame, preço de mercado três real o pacote, na minha mão sai a dois real, dois pacote de Mm’s.

- Oh maluco num fica na porta não. Que os guarda tão ai em Cascadura.

Abrem-se as portas e nada dos guardas, e o trem segue junto à gritaria.

- Próxima estação Deodoro, desembarque lado direito. Supervia, vá de trem e chegue mais rápido!

Diz a mulherzinha com voz sorridente. Deve está rindo de nós, da nossa peleja.

- Mm’s é só dois real freguesa!

Pára o trem.

Os guardas entram limpando pigarro, depois batem o pé e olham pro lado fazendo cara de homens perversos. Mas agem feito corno prevenido ao entrar em casa. Curioso.

O maluquinho dos Mm’s pára do meu lado e eu :

- Oh maluco, coloca essa porra dentro da bolsa.

Não que eu fale sempre assim. Mas comunicar-se é se fazer entender.

- Ah é! Caraca num sabia que eles “tava” aqui, pô to bolado.

Nem precisava dizer, tinha os olhos estatelados. No olhar dos passageiros a aperreação era nítida. Ou não. Pros que dormiam. E fazem muito bem. Já aprendi que trem, melhor dormir.

Um dos guardas metido a cumpridor do dever resolveu aparecer. Os outros se bastaram batendo pé. Quando o ambulante colocava o último pacote de Mm’s na bolsa, tremendo feito vara de bambu. O guarda pegou, e não fez pouco. Sentou a mão no cangote do coitado e levou pra fora do trem. Ali mesmo desceu o cacete no homem, e repetiu várias vezes:

- Eu tava atrás de você desde cedo, safado! Desde cedo! Tú quer dificultar meu trabalho? Isso é pra você ver.

Pegou a bolsa do maluquinho e aí se fez entender.

- Tô querendo levar uns chocolates pras crianças hoje e você dificultando meu serviço, ah!

O trem segue.

- Próxima parada Vila Militar, desembarque lado direito... sSupervia, vá de trem e chegue mais rápido.

De novo a mulherzinha com sorriso na voz.

Eta vida cão, como diz uma amiga minha, ela é ou não é uma piada de mau gosto?


sexta-feira, 18 de abril de 2008

Vagamundeamos


“No momento mais desordenado da nossa juventude nos metíamos apressadamente, sempre de madrugada, sempre sem ter dormido, sempre sem um centavo nos bolsos, em um vagão de terceira classe... Pouco mais ou pouco menos de vinte anos, providos de uma carga valiosa de loucura inconseqüente que queria transbordar, estender-se, estalar”.

"Confesso que vivi"

Plabo Neruda


Fui embora pra minha Pasárgada, fui encontrar amigos, contextos, silêncios, cachaça, porre curtido, toda inconseqüência, a ingenuidade, o sadismo, a ironia. Fui varar noites, ruas, horas adentro. Começar conversas que nunca tem fim. E lá, só lá era possível, não se fazer nada. Não havia relógios em nossa Pasárgada. E a nenhum de nós, o tempo interessava. Nunca faltava café, cigarros, pastinha de alcaparra, cerveja, cachaça, na pior das hipóteses o Oitenta e oito nos olhava atravessado e carcava na gente, mas lá nunca faltou balde e cama pra cair, quando o fígado e as pernas, já não podiam mais. Os deveres, quais eram os deveres? Nem consigo me lembrar. Parece que não havia, mas havia, é só que, não consigo me lembrar. Eis o que eu carrego dela ainda, a facilidade de não cumprir meu dever sem vergonha e sem culpa. Por comodismo descarado.

Uma era casada, outro casado com uma, uma era namorada consciente, a outra era inconsciente, e eu, uma outra. Mas isso nada tinha que ver com outros, nós éramos a medida mais perfeita. Qualquer mendigo dito profeta podia nos casar, com qualquer dinheiro podíamos beber. Com o tempo que fosse podíamos ir a praia, éramos loucos, se o ar estava bom na praia, queríamos embrulhar e trazer pra casa. E as pessoas olhando atônitas, recriminado, são tudo bando de bestas! Até os nossos trabalhos eram pseudotrabalhos. Esse papo de que o trabalho enobrece o homem que nada, bom mesmo era levar essa vida de bacana. Os trampos eram mais desculpa pra essa santa instituição que é a família, nos deixar em paz.

Nossas gargalhadas ecoam, nossas crianças...Correm pelo quintal, sobem nas árvores, se machucavam e no mesmo instante "milhoram". Era Miguel, Marquinho era Mateus, os meninos eram tão maliciosos, mas uma malícia tão pueril. As nossas crianças, não sei que vão ter na cabeça daqui a algum tempo? Afinal o que tínhamos? Insanidade, ânsias, angústias, alegrias, desenganos, tesão e leveza, tanta, tanta que não se susteve.

Lá pelas tantas percebi, talvez tarde que... A maré das circunstâncias mudou. Minha Pasárgada está suspensa sobre o tempo e o espaço, a ela só vou, indo a mim.

E encontrei num canto qualquer dentro de mim. Como que para ninguém ver, feito menina, escondidinha, chorando, morrendo de rir, "chorrindo" sozinha.


Quero voltar pra Pasárgada

Mas Pasárgada não há mais, sussurrou o poeta.


A meus companheiros de Pasárgada,
o meu mais forte abraço.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

domingo, 6 de abril de 2008

Aboio urbano



-"Feitiço? Lélio perguntou-

Oxente, pois só de viver

No meio dos outros, a gente,

Cada um está fazendo feitiço

Toda hora...Só que não sabe..."

(João Guimarães Rosa)

Aboio, taí eu nem sabia do que se tratava, mas como estava com tempo sobrando...Verdade mesmo é que sobrando não tava não. É que se a gente deixa de fazer o que deve, aí sobra tempo pra daná e até isso eu faço mais do que devo. Pois então entrei na sala. E logo que eu me assentei, ouço uma voz rouca no meu cangote, não se animem, por que era uma velha desgrenhada que tava berrando atrás de mim pro marido:

- Senta aqui merda! Pra que que vai aí pra frente se tem lugar aqui, ô porra!

O véio tratou de sentar do lado dela, voltou descambando prum lado, depois pro outro e se abundou. E isso teve de acontecer pra eu saber que eu tinha que estar naquela sala bateu tudo direitinho e a vida fez um sentido danado. A maluca da Mariana tinha que estar presente. Ô se tinha. Como se não bastasse, o véio era “avançadinho” ficou dizendo atrocidades durante todo o filme, e a coroa gargalhava em alto e bom som. E todo mundo pra eles:

- Xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii...

E eles ainda achavam ruim de reclamar e refutavam:

-Xiiiiiiiiiiiiiiiiiii o que, cacete.

Eu incomodada e ao mesmo tempo rindo horrores, afinal que belo exemplo de casal feliz. De um jeito tão particular. Mesmo a felicidade deles representando a infelicidade alheia.

Começa o aboio, um canto estranho e haja chifre pra tudo quanto é lado. E tem vaqueiro filósofo. O vaqueiro que narra o é meio filósofo. Diz coisas intensas com uma rudeza que só o povo do sertão mesmo pra não se ofender. Mas é assim que é. Dizia que quando olha pro céu, pras estrelas. E vê o universo, perde o medo da morte. Segundo o tal cabra vê tudo isso morrendo. E arremata “o universo quando nasceu já tava morrendo”. E é por isso que ele arresolveu Aboiar, por que não pode ter medo da morte que escolhe isso pra fazer a vida. O trem do aboio já começou bom da gota.

Eu, besta estava , besta continuei. Como é que pode, eu no centro do Rio de janeiro, tinha acabado de tomar um café e compra um chocolate pr’assistir o filme, cruzado por ruas barulhentas, sinais que só fecham e “de repente não mais que de repente”, estou ouvindo aquele canto a princípio tão estranho, em contato com uma outra forma de ver a vida, quase que um outro pólo. Aquela gente que fala sem pressa, sem a nossa afobação urbana. O vaqueiro fala, fala e eu penso que acabou, mas daí ele dana a falar novamente e termina muito tempo depois. Outro tempo. O amor com que fazem aquilo, a relação que tem com os bois. Que muita gente, mas bota aí, muita gente mesmo, não consegue ter com outras pessoas.

Bravura, rudeza, silêncio, muito silêncio, hei heiiiiiiiii, o aboio. Pra mim resta uma conclusão. Aquele canto começou a me soar muito bem. Hoje descobri minha faceta bovina.




quinta-feira, 27 de março de 2008

Dança do mascarado

Bons tempos foram aqueles que a gente namorava, melhor, labutava. Nós labutamos tanto, mais tanto, que hoje eu vejo outros namoros e sei, que nós nunca fomos namorados, fomos felizes labutadores. Eu dei trabalho, eu sei. Mas não pense que o senhor ficou atrás. Afinal, quando "fui terminada" com aquela conversinha. Eu achava que tinha sido o fim da trabalheira. Mal sabia meu bem, que a apunhalada final viria três anos mais tarde, num domingo tranqüilo daqueles, te encontrar no cinema com uma mulher. E aquele seu discursinho meu filho, de que precisava se assumir, colocar sua vida em ordem, viver de acordo com a sua opção sexual. Que eu dei total apoio. Importante pra mim, é a lealdade a si mesmo. Oxente se assim que se é, então é desse jeito que tem que viver. Bobagem, tudo bobagem...

Acredite, fiquei até feliz no fim das contas. Mas o que que era aquela mulher? Me diga. Pra mim uma agressão, um vitupério, me reduziu a pó. Tudo o que eu responderia, se me perguntassem o que fomos nós, caiu num abismo, de perder de vista. Sua máscara estava lá, no mesmo lugar, intacta, do jeito que lhe é mais conveniente. E a menina fazendo papel de besta, que um dia, eu fiz também. Papel de besta, por nem desconfiar, coisa que nunca mais me aconteceu depois de você. Nem daquele seu amiguinho, que te ligava de dez em dez minutos tampouco, da sua “indisposição” perto uma menina toda-toda... Feito eu. Hum.

Vou te dizer que naquele domingo, fui possuída por idéias perversas, por muito ódio no coração. Eu queria correr até sua casa, que não era longe dali, pichar o seu muro, pra quando vocês chegassem, os dois, felizinhos, tivessem uma bela surpresa. Daquelas porretas de boa. Queria arranhar sua cara, te matar na unha feito piolho. Queria contar pra ela, ah como eu queria. Mas você não é sujeito besta de deixá-la sozinha perto de mim. Mariana, três anos depois, ainda crente que as pessoas são coerentes, tão romântica, tão idealista. Tão tolinha essa menina.

Agosto de 2007.

terça-feira, 25 de março de 2008

Se avexe não, a origem.

"Me larga, não enche"

Arre! Que raio de lugar é esse que eu vim parar. Isso é uma hostilidade só, meu Deus. Ai, eu quero parar. Mas as coroas, metidas a bacanas, elas não aparentam cansaço. E riem, como riem de mim. Velhas filhas de uma égua manca. O ódio me dá forças. E forço, forço e forço. Peleja pouca é bobagem, pra isso aqui. Eu só queria deixar ser sedentária. Mas não imaginei que seria tão difícil. Nossa...Não acredito, como se não bastasse dançar, chutar, socar o ar(se ainda fosse alguém tava valendo, mas ar?) a gente ainda precisa de peso nas pernas. Como gostam de sofrer.

Olho pro espelho e elas estão felizes da vida. Essas pessoas não sabem o que é felicidade. Não sabem o que é acordar ás três da tarde, comer feijoada, lasanha, pizza, beber cerveja, sem vergonha e sem culpa. Na nova série, a professora lembra a todas que nesse ritmo vão poder até comer ovo de páscoa no domingo. Oxi pensei, mas é claro que vou. Sempre posso comer. Como assim poder? Isso lá é palavra que se use? Pra mim não faz sentido um trem desse. Mas a julgar pelas caras, elas não sabem o que é ter vontade de comer e realizar. Fazem parte dessa geração saúde, que acha bonito fazer sacrifício. Como são cristãs essas mulheres, pobrezinhas.

Como já era de se imaginar, pensando nisso, eu de novo me embaralho nas minhas próprias pernas e me perco na coreografia. Pois é, tem coreografia, meu bem. Logo eu, uma Zé ninguém em coreografias. E aí vem, o que faltava pra eu concluir, que aquilo definitivamente não era lugar pra mim. Que eu era um ser a parte, naquilo tudo.

- Não pensa garotinha, não pensa!

Não pensar? Esse foi o primeiro lugar que eu fui em toda a minha vida, que me fez esse pedido, me pediu pra não pensar. Logo o que eu faço com mais gosto.O que eu não sei parar de fazer. Me pedir pra não pensar, é pedir demais. Lugarzinho mais hostil que esse, não existe. Já não posso mais. E tenho dito.



quarta-feira, 19 de março de 2008

Silenci(ar)


Do mar recebi um abraço violento. E ao dele sair, te encontro de pé, rindo e sem vontade de mergulhar.

Mas não comento, não insisto, sequer sorrio. É tão bom não ter de ser agradável.

Você me dá um cigarro, me joga o fósforo.

E num olhar se descobre a despedida.

Amantes do silêncio somos nós...Todo o resto é indizível, essa noite abdicamos das palavras, e sentimos o que há para além delas.

domingo, 16 de março de 2008

Alembração 4

Esperava na varanda tomando banho de mangueira. Tava um calor do diacho, e domingo na minha casa é dia de grandes recepções.Vai dando meio dia, o povo vem se chegando, e meu prazer maior mesmo era molhar a cambada toda, assim que chegava. Eram as minhas boas vindas. Eu era ruinzinha toda vida, hoje graças ao bom Deus, eu me regenerei. Nesse dia quem vinha nos visitar era Tia Florlina, que pra mim sempre foi pitoresca. Trata-se de uma negona de cento e vinte quilinhos, coisa pouca.Usava uns blusões estampadíssimos, tropicais que só eles, na boca um batom vermelho com cheiro de uva que não me esqueço. E o melhor. As ombreiras ouviram isso? Ombreiras minha gente. Tia Flor não sabia, melhor, ela ainda não sabe, que já tinha ombros bastante avantajados. Mas...

Como se não bastasse trouxe Zelda. É Gizelda, mas cá entre nós, fica Zelda mesmo. Que era outra que não ficava por menos. Fazia o tipo vovózona, principalmente na voz. E tinha uma unha que vou te dizer, Elke Maravilha perde.

Assim que chegaram as recepcionei, era o que eu fazia de melhor. Aí rolou aquele deus nos acuda típico, de perua molhada. Se é que me entendem. Minha mãe fez peixe de tudo quanto é jeito, pirãozinho, caipirinhas, cervejinhas, e parará caixinha de fósforo tudo como o figurino de “armoço” de domingo no subúrbio.

E é nessa hora, que minha tia sempre, é certo, conta a história da feira de Osvaldo Cruz.Todo mundo já sabe que ela vai contar. Mas mesmo assim ainda perguntam do que ela tá rindo.

Minha tia com a mão na testa, rindo de chorar, se acabando, esperando só alguém perguntar.

Eu queria me divertir, então resolvi perguntar.

- Que foi tia?

- Ah filinha titia tá lembrando do escândalo que foi, uma choradeira só, a barraca limpinha gente, ah... O que é, o que é do Gonzaguinha arrebentando nas rádios, e eu escutava essa música, esquecia da vida. Aí, num domingo de feira, armei a barraca, não tava dando muito movimento, tocou a música, e a neguinha malucou, esqueceu da vida, desceu a rua cantando e dançando. Já com umas cachacinhas na cabeça e hê hê(o grande bordão dela) lá se foi tudo, minha filha. Quando voltei, a barraca já tava limpinha. Moacyr me arrasou. Acabou comigo, mas não dei confiança a ele, chorava, mas ria, ria muito também...Tempo bom era esse.

Zelda rindo convulsivamente, até por que só sabia rir desse jeito. A mesa virou uma risaiada só. E tia Flor cantando com uma tristeza no olhar e um sorriso vermelho borrado no rosto.

- “É bonita, é bonita e é bonita”, hê hê...

quarta-feira, 12 de março de 2008

"Lapa de todos os santos".

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Vô Zico

Pra começar vou dizendo que sofria de um mal terrível, gostava de uma esbórnia que só ele. Quando ia pra zona, levava meu pai ainda com quatro aninhos, e deixava do lado de fora cuidando dos cavalos. Dizia ele que era uma venda “muito tumultuada”. Meu pai, pobre menino, que nem sabia o que era aquele lugar. Mas era assim que era no interior de Caratinga, lá em Minas Gerais. Meu vô só aparecia umas poucas vezes por ano, tocado, pra fazer filho e descer cacete na vó. Mesmo assim, fez oito cabeças. E quando meu pai tinha pelos seus nove anos, meu vô, aparecido que era, comprou um galo de briga que dominava no galinheiro da fazenda, meu pai moleque ainda, deu de arranjar um outro galo de briga.(Longe de eu apoiar essa doideira de briga de galo, tô só contando o causo, Tim-tim por Tim-tim, que fique bem claro). Meu vô nessas noites em que voltava aperreado, diz meu pai, que só viu a sombra do machado passando pela lamparina, e minha vó voando no pescoço do dele. O coroa ia passar o machado no meu pai, por conta de um galo de briga, chupa essa manga. Depois disso, minha avó mandou ele embora e disse pra nunca mais aparecer, e foi o que ele fez, não precisava nem pedir, era só questão de tempo. Mas ela pediu, ele nunca mais deu as caras e a vó, vestiu a camisa de “mulher da vida”. Pensar que mulher largada de marido era tudo da vida.

Desde aquela época, meu vô só foi se aquietar quando aos setenta e oito anos parou de viajar e comprou uma chácara em Vai e volta, lá em Minas. Lugar melhor não pudia ter pra ele se aquietar, passava os dias tocando a viola com um gosto danado. Até que sofreu de um revés desses que a vida cisma de dar em nós. Um derrame. Depois de tantos anos, meu pai foi buscar ele e a viola.Um homem que conhecia esse mundão todo, restrito á uma cama, por cinco anos. Foi uma morte lenta e longa a do meu vô.Até que num domingo, ele chamou meu pai num canto e disse que ia morrer. Mas meu pai nem se avexou, ele dizia isso todo dia, quando começou a agonizar, meu pai disse pra ele se calar. Ele insistiu, fez força e arfou:

- Você é dez!

Assim mesmo, nem uma palavra a mais, nem a menos. Do mesmo jeito que dizem que Deus é dez e o Romário é onze. Foram essas as últimas palavras do vô àquele menino antigo, que um dia ele ia passar o machado por um galo.


*Se você cabra leitor, estiver reconhecendo este texto, é, ele já esteve aqui. Mas foi “remudeladuzinho” a pedidos de um do cês.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Carta ao falecido


Se eu pudesse diria a você que morra de uma vez por todas. Não agüentamos mais suas ressurreições. Mas não faço isso por dois motivos. Primeiro, que não faz meu estilo ligar pra ex de amiga minha pra dizer nada. E segundo, que você é um ser enigmático demais pra mim. Então, tem de viver. Mas me conta, quantas vidas têm? Já ouvi a frase, pra mim ele morreu, várias vezes. E quando a viúva já está a secar as lágrimas, volta você só pra confirmar a condição dela de eterna sofredora. Tadinha. Quando a conheci ela ainda te namorava, curtia horrores, não perdia uma festa por sua causa. E eu sei dos seus ciúmes doentios. Mas nada disso era páreo pra ela. Tu tinhas uma cabritinha de disposição.

Até o dia em que ela se meteu mato adentro, num acampamento, e se encantou por um cabra. Tanto, tanto, que deu de largar você, foi aí sua primeira morte. Era pra ser o fim, mas não foi. Falecido, a odisséia começava. Uma semana depois de terminar contigo ela viajou e passou um bom tempo fora, o tal cara ela nunca mais quis ver. Ficou sozinha, não queria ninguém, logo ela que sempre disse que sozinha e bem, não fica.

Tua cabritinha arretada se arrependeu logo que terminou, mas aí veio a bomba que tornou tudo irreversível. Você ia ser papai. E como se não bastasse, ia ser marido também. Ela que já não ouve muito bem de um ouvido achou por bem tapar o outro, pra não ouvir mais falar de sua vida. E teve jeito? Teve não, bem. Sua família era o inferno astral dela, sua vózinha então, não é de Deus aquela criatura, não pode ser.Graças a essa família maligna que você tem, ela nunca pode te esquecer. Foram três anos, e a bichinha só e indisponível.

Homem nunca faltou, graças a Deus. Mas ela não se abria pra ninguém que não fosse você.

Ano retrasado arresolveu darás caras, não é, seu sem vergonha? Casado com aquela barraqueira, que te lanhava a fuça quando cês brigavam, que todo mundo sabe. E com um filhinho que contraria todas as leis da natureza, que é o carisma em forma de gente.

Voltou, ligou, chamou pra sair, e no que deu, no que sempre dá, no dar.Tava desgostoso da vida querendo dar um fim em tudo.E fez despertar nela a idéia de que as coisas podiam melhorar pra vocês.Mas pena que ela esqueceu de um detalhezinho a toa, mas que teria feito toda a diferença lembrar, és um fraaaaco.E dessa vez não foi diferente.Foi fraco e sumiu.

Ela se entristeceu tudo que já tinha desentristecido, e um pouquinho mais.E força tigre! Seguido de um soquinho nas costas pra levantar e seguir, era o que eu dizia a ela, pra fazê-la rir. O tempo passou e no natal de 2006 foi o triunfo, ela arrumou um namorado super bacana, gosto muito dele, e melhor, ela muito mais, pra não levantar suspeitas.Achamos até que era um namorado imaginário por que ela por um tempo não apresentava o sujeito, só falava, então... Poucos dias antes do natal passado, nós marcamos uns comes e bebes na casa de uma amiga nossa. Marcamos as nove, ela chegou uma da manhã.Com um sorriso enrustido, o corpo quente, hummmm... Já sabíamos o que tinha acontecido. Mas ela despistou tanto, que não insistimos. Disse foi jantar com um amigo muito antigo dela, que vai morar em BH e queria conversar e se despedir.Ah tá, tudo explicado então. Natal estávamos juntas, mas separadas, cada uma de nós com suas razões. Até que veio a confissão, que você era tal amigo, ela naquele dilema. “Como assim vai embora? Quer dizer que mesmo passando três vezes por semana na rua dele, eu não vou ter chance de vê-lo?”.

A dita cuja da sua mulher, levou a criança pra BH com ela. Eu até entendo que você tenha ficado desesperado, mas resolvesse ir ou ficar, pra que chamar a menina? Tá certo que ela te ama independente dos títulos que teve de relevar. Foi namorada, amiga, ex-namorada, a outra, ex-namorada de novo, confidente, e por aí vai. Mas juntando tudo, dá alguém que caiu na sua arapuca. Eu botava a mão no fogo e acreditava pra valer, que dessa vez ela seria mais comedida. Ela estava tão segura, tão consciente, mas foi tudo por água abaixo quando ontem liguei e a coroa dela me disse que ela tinha se metido pras praias de Maricá contigo, deixando o namorado oficial de pista por uma semana. Faz cinco anos, e nem parece.Ela hoje é mais apaixonada que quando te namorava.Foi um trato e tanto no ego dela.Eta pudê de pica çô!

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Alembração 2

-Vó, e minha tia, deu um tempo na bebida?

-Humm, e ela pára? Pára nada.Tô lembrando aqui, do dia que já de madrugada saiu do butiquinho (assim que ela fala, minha gente, contribui pra veracidade do causo) e foi pra casa daquele jeito, chumbada de cerveja.Viu uma crente que mora na rua dela.E partiu com a mulé.

-Ué vó, mas a crente é amiga dela por acaso?

-Tua tia se metendo com gente direita? Cê besta, só companhia pra ir pra casa mermo.E a mulé muito revoltada perguntou a ela tava que tava fazendo àquela hora na rua.Aí não prestou, por que na mesma hora tua tia perguntou o que ela fazia na rua sendo uma mulé de Deus, casada, com filho.

-Gente que baixaria, que ridículo. Mas o que ela tinha de ir atrás da crente?Nada a ver.

-Pois é, mas tava chumbada de cerveja...Sangue quente, né?Já viu, sei minha filha que arrasou a mulher.Foram parar no chão.No dia seguinte a crente deu parte na delegacia.E o camburão bateu na porta dela.Acabou na delegacia.E lá o delegado disse que ela poderia prestar serviços à comunidade ou dar uma cesta básica.(Uma vergonha isso, se ela fosse em cana duvido que faria de novo, mas se não viu a cor das grades, vai ser difícil tomar tenência).

-E ela o que preferiu?

-Prestar serviços à comunidade, segundo ela, foi tudo armação pra mulher ganhar uma cesta básica.

-Mas prestou mesmo?Ou fez qualquer outro rolo aí?

-Não sei, vou saber quando voltar.

-Ué, isso aconteceu quando?

-Semana passada, então só quando voltar que eu vou saber se aconteceu tudo nos conformes.

-Vai tomar vergonha na cara é nunca.

-Vai não, nessa idade não muda mais não.Vê seu avô vai ser muquirana toda vida. Por isso que eu larguei mermo.

Não disse pra vocês que ela é assim? Minha vó, não julga, não se mete, só conta os causos, cada um de deixar a gente broxada só de ouvir. E sem saber se aconteceu há uma semana ou há setenta anos atrás.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Mas é carnaval...

É carnaval...Pois é.Mas, meu coração é só melancolia. E não tem por que (pelo menos racionalmente). Acho mesmo que é essa maldita TPM que me deixa chorosa, sensível, enfim, uma mulherzinha. Aflora essas coisas que mulher tem de vez em quando, algumas, de vez em sempre.O dia amanheceu nebuloso, e eu irritadiça. É complicado quando nosso estado de espírito não coincide com o geral, mas fazer o que? Acontece. Mas tratei de mascarar a tristeza, pus uns sambas pra tocar, foi Paulinho da viola, Jovelina, Candeia e a sua Maria Madalena da Portela, "mãe de cinco filhos, mas metida a donzela, que megera", que me fizeram sorrir outra vez. Esse ano eu ia botar meu pé na avenida, tava tudo certo.Ia desfilar no sambódromo.Mas essas coisas mudam. É próprio do universo do samba mesmo, quem não viveu um grande amor, não pode compreender o samba não. É o que dizem. O sofrimento, a peleja faz parte, tô engajada então. E por essa razão entornei todas e mais pouco hoje. E arresolvi que amanhã meus pés vão saciar a vontade de sambar. Vou atrás da alegria. Sozinha ou acompanhada, esse carnaval, essa brincadeira, eu não vou perder não. Até por que carnaval é pra isso mesmo. Esquecer as aflições, esquecer dessa gente medíocre, fazer dessa vida brinquedo de novo, como se fez na infância. É isso que eu vou ser amanhã, criança.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Alembração 1

Minha mãe, reclamando do atraso do pedreiro, minha vó sentada com aquela cara blasé.Levantava as sobrancelhas e soltava uma gargalhada cansada.

-Celinha, deixa de ser besta, qualquer hora ele vai chegar.Que hora que ele marcou?

-Não marcou hora não, mãe.Mas disse que a noitinha ia aparecer.

-Então comé que tá atrasado se não marcou hora, gente?

Soltou a gargalhada sem vergonha de novo.E disse:

-Bobagem, daqui a pouco o home chega.

Essa é a minha vó, que não se deixa avexar por nada, de tudo tira sarro, não poupando nem a ela mesma.Por esses dias ela veio pra minha casa.E demos pra ficar alembrando causos.Coisa que me deixou num estado de graça que só vendo.

-Lembra que nós fazíamos shows na frente da casa? A gente pegava uns panos nos armários, pra fazer o cenário, as roupas exóticas, uma panaiada só, mandava beijo, tínhamos repertório e o escambau, lembra Vó?

-Lisângela e você pegavam meu som, botavam lá na frente, e davam de ficar dançando.Agradecendo quem passava pela rua.Marcando show pro dia seguinte.Falando um monte de nome de lugar, que vocezis (assim mesmo que ela fala) iam estar.O povo parava, e ficava olhando...Devia de achar vocês tudo malucas.

Minha vó solta de novo uma gargalhada e segue falando.

-Vocezis sempre foram umas nigrinhas folgadas.

-Claro ninguém dava confiança à gente.Aí dava vontade de aparecer, mesmo.Foram dias de espetáculo, vó.Aquela cidade ficava movimentada.Afinal tinha um show acontecendo na varanda daquela casa verde e lá no alto.

-Você e Lisângela nunca tiveram vergonha na cara.

-Como assim vó?Não fala isso.

-É verdade mesmo ué, nunca tiveram.

Ah, tempinho bom era esse que minha vó ainda carrega nela.Quando ela conta, eu vivo de novo.E sorrio com o corpo inteiro.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Semaninha pelejenta , foi essa!


"cariocas não gostam de dias nublados"

Cariocas, Adriana calcanhoto.

Eta lombeira que dá nesses dias meia boca, essa chuvinha rendinha, que parece que num vai acabar nunca.Qualquer passeio aqui, por essas terras do Rio de janeiro é uma Disgracença só com um tempo desses, não dá vontade de largar o edredom.Agora, se tem se tem sol pra queimar nosso lombo, qualquer programa é programa.Eu reclamo, mas não vivo sem ele.Semana passada mesmo, falava com um amigo, que tava pelos lados do interior de sampa, e eu amaldiçoava a tudo e todos, por conta desse sol mardito que ardia aqui sob minha cabeça, que não importava a hora, não dava trégua.Ele voltou ao Rio e o sol me prega essa peça.Eu tô pra lá de puta,com esse tempo, é janeiro cara.Quero sol, que seja pra reclamar dele, pra rebocar de protetor essa minha fuça branca (Que, diga-se de passagem, num agüenta nada).Pra recarregar minha bateria, que é solar, como de todo carioca.Rogo ao sol nosso de cada dia, que vorte a nos fazer sentir picanhas ambulantes, ou na melhor das hipóteses, cabras e cabritinhas no árido sertão de meu padim Ciço.